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HÁ ESPERANÇA NA FICÇÃO EM PROSA NO “GRANDE OESTE” BRASILEIRO?
 
*JOÂO MEIRELLES FILHO

Há que, de pronto, perguntar-se: o que é o “Grande Oeste”? Há literatura relacionada a este território, duas vezes a Argentina, ou três quartos do Brasil? 

Do ponto de vista ecológico, o “Grande Oeste” é o conjunto dos biomas do Cerrado, Pantanal e Amazônia ou, tudo a oeste da Caatinga e Mata Atlântica. Que literatura produz esta vastíssima geografia? E, se for para abstrair a literatura urbana e intimista, e fixar-se na Língua Portuguesa que ocupa este eito, depara-se com dois movimentos: o “Aboieiro”, por terra, tangendo boi sertão adentro; e, o “Remeiro”, ribeirinho, coletando fruto, riscando árvores para o leite...

Pela ótica do colonizador-opressos, o “Grande Oeste” é o vazio, o “a ocupar”, como se não houvessem povos originários há milênios. Este artigo aponta alguns expoentes da literatura de ficção deste “Grande Oeste”, opção de risco, pela injustiça dos não nominados, pela superficialidade sobre tema vasto:

 

Amazônia & Pantanal

 

De sorte que, durante a Colônia (1612-1823) a Amazônia (então Grão Pará, Maranhão e Rio Negro) sempre foi (em superfície) maior que o Brasil. Aliás, foi mais longeva a Colônia (211 anos) que a República e o Império juntos (196 anos). Era outro país, isolado do Brasil, não obstante que sob vil jugo da mesma metrópole. E, somente com a (balela da) “Adesão do Pará” em 1823, o Brasil engole a Amazônia, seguido das mais sangrentas revoltas populares do país (Balaiada, no Maranhão, e Cabanagem, no Pará).

É nesta vastidão de mil rios, que no século XVI o padrão ibérico de destruição se impõe a cinco milhões de pessoas, falantes de mais de trezentas línguas (línguas naturais). A mais exitosa conquista é a imposição da Língua Geral inventada pelos jesuítas (aliás, foram muitas as “Línguas gerais”). Esta “Língua” (língua de ficção, a meu ver) é asfixiada pela expulsão dos jesuítas e substituída pela Língua Portuguesa (língua de cultura). A “Língua Geral” é a mais engenhosa manipulação do conquistador, para destruir os povos originários, inventar-lhe mitos, nomear povos e toponímias que raramente lhe são próprios.

Neste cenário, a prosa ficcional dos “Remeiros” surge timidamente com o paraense Inglês de Souza (1853-1918), em seus romances e contos – “O Cacaulista” (1876), “Coronel Sangrado” (1887) e “O Missionário” (1891), ainda que eivada de preconceitos. Seguem lidos por sua adoção pelo ensino médio e vestibular.

A seguir, o pernambucano Alberto Rangel (1871-1945) oferece contos em Inferno Verde (1908), leitura instigadora, inspirada em Euclides da Cunha; e o potiguar Peregrino Júnior (1898-1983), que chega à região aos dezesseis anos e permanece por meros seis anos, assina contos – “Um drama no seringal” (1929), “Puçanga” (1929), “Histórias da Amazônia” (1936) a “A Mata Submersa” (1960).

Até então, como segue na maioria da ficção em prosa, a crítica social é superficial; é  literatura de entretenimento, para gáudio dos autores, deleite de beletristas. Até hoje, nada supera a densa obra do marajoara Dalcídio Jurandir (1909-1979). Em dez romances dedica-se ao Marajó e Belém – iniciando-se por “Chove nos campos de Cachoeira” (1941), “Marajó” (1947), “Três Casas e um Rio” (1958), “Belém do Grão Pará” (1960), até e “Ribanceira” (1978). É pouco conhecido fora do Pará e, mesmo no estado, mais falado que lido.

Há, outrossim, o paraense Benedito Monteiro (1924-2008), com “Verde Vago Mundo” (1972) e “A Terceira Margem” (1983); e o amazonense Milton Hatoum (1952–), com o romance “Relatos de um certo Oriente” (1989), até “Órfãos do Eldorado” (2008);  e três visitantes: o paulista Mário de Andrade (1893-1945), com “Macunaíma” (1928), inspirado no alemão Koch-Grünberg; o carioca Darcy Ribeiro (1922-1997), e o romance “Maíra” (1976); e os dois romances do também carioca Antonio Callado (1917-1997) – “Quarup” (1967), sua obra-prima, e “Expedição Montaigne” (1982).

Do bioma Pantanal, temos a invenção de novos usos às palavras e frases, uma nova linguagem com a poesia-quase-prosa de Manoel de Barros (1916-2014), meio “Aboieiro” meio “Remeiro”, como na prosa poética de “Memórias Inventadas”, em três volumes (2005 –2007).

 

Do Cerrado

 

Ocupando o Brasil Central, possui conjunto extenso de autores, “Aboieiros”, a começar pelo mineiro Afonso Arinos (1868-1916) que, entre 1897 e 1898, publica dois romances: “Pelo Sertão” e “Os Jagunços”; e o goiano Hugo de Carvalho Ramos (1895-1921), com “Tropas e Boiadas” (1917), e demais escritos após seu suicídio – “Obras Completas” (1950).

Em 1944, outro goiano, Bernardo Ellis (1915-1977) estreia com “Ermos e Gerais: Contos Goianos”. Seu ápice é o romance “O Tronco” (1956), detalhadamente planejado. E segue com contos: “Caminhos dos Gerais” (1975) e “André Louco “(1978). Destacam-se, também, os mineiros Nelson de Faria (1902-1968) e os contos de “Tiziu” (1962) e outros dois livros, e o romance “Cabeça-Torta” 1962; e, Mário Palmério (1916-1996), com romances: “Vila dos Confins” (1956) e “Chapadão do Bugre” (1965). 

Nada se compara, em todo o “Grande Oeste”, à publicação de “Grande Sertão: Veredas” (1956), por Guimarães Rosa (1908–1967). Se os contos de “Sagarana” (1946) foram perturbadores, é este romance que se impõe, ao criar uma linguagem própria e torná-lo um dos maiores da ficção brasileira. Sua produção segue, com novelas e contos em “Corpo de Baile: Noites do Sertão” (1956), “Primeiras Estórias” (1962), “Campo Geral” (1964) e “Tutaméia – Terceiras Estórias” (1967) e, após sua morte, “Estas Estórias” (1967) e outros dois livros.

 

Breves comentários

 

Encerro este brevíssimo artigo ponderando que esta listagem parcialíssima praticamente ignora a produção contemporânea. Um elo comum a esta é a “ditadura da paisagem” – interpretando a frase de Giovanni Gallo (o “Marajó é a ditadura das águas”) – em que a paisagem é personagem determinante.

Igualmente relevante é o apreço à oralidade – palavras e expressões tão particulares a estes universos. A maioria destes autores é desconhecida (ou raramente lida), mesmo em suas regiões. Igualmente não se propõe aqui afirmar que haveria uma literatura específica do “Grande Oeste” – amazônica, pantaneira ou cerradeira (como já discutiu o amazonense Márcio Souza). Haveria, eventualmente, uma literatura que explora a fronteira, a margem do desconhecido, da “Boca-do-Sertão”...

É, ainda, literatura eminentemente produzida por homens (e, na maioria, machista). Claro que há gigantes como Adélia Prado (1935–) que, entretanto, explora outro universo, ora não contemplado.

Há, sim, uma fronteira agrícola-industrial que avança, indomável, em nome de algo – civilização? – e acarreta a destruição avassaladora e definitiva das sociedades, culturas e ambientes naturais do “Grande Oeste”. Todas as tentativas racionais (da ensaística) de explicar o que se passa com o “Grande Oeste” fracassam. Resta-nos a esperança que “Aboeiros” e “Remeiros” – inspirados nos Jurandir, Barros e Guimarães –, mostrem-nos caminhos, para que não sejamos meros expectadores – escritores e leitores – como que afásicos –, diante do rolo compressor movido pela ganância e violência extremadas.

 

 

*João Meirelles  Filho, 58 anos, é escritor e ativista socioambiental. Nascido em São Paulo, SP,  há 14 anos, vive em Belém, Pará, Amazônia. Como escritor, é autor de 17 livros, com destaque para “O Abridor de Letras”, Record, 2017 (Prêmio SESC de Literatura – Contos); e ensaios sobre a Amazônia, como “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira”, 2 vol. Editora Metalivros (2009 e 2011); e “Livro de Ouro da Amazônia” (Ediouro, 2004). Como ativista socioambiental, há 33 anos atua no terceiro setor, 20 dos quais à frente do Instituto Peabiru, organização que trabalha nos nove estados da Amazônia Brasileira.

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