MICROCONTOS
Roberto Matta
por Alê Motta *
Tiroteio
Voltando para casa recebi o WhatsApp - tiroteio na nossa rua.
Entrei na padaria chique. Dois atendentes e três clientes abaixados. Assustados.
Apoiei o corpo na lateral da porta. Os cinco berraram para eu abaixar. Ignorei os pedidos e segui para a esquina. O barulho dos tiros aumentava.
Da bolsa-carteiro saquei os dois revólveres e mandei bala. Caíram todos. Sou ótimo de mira.
Agora seguimos para o aeroporto. Estou mal humorado porque não tomei banho. Vinha da academia quando recebi o WhatsApp.
Chatice terem nos encontrado. Vou trocar todos os seguranças. E escolher uma cidade menor. Mas quero uma cidade com praia. Minha mãe tem anemia e precisa pegar sol.
Sou ótimo traficante, mas um filho exemplar.
Depois
Depois dos resultados positivos a gravidez tomou conta das nossas vidas. Fraldas, roupinhas, bebê conforto, mamadeiras.
Nasceu há cinco horas. Minha esposa dorme e ele remexe os bracinhos no berço. Meus pais, os pais dela, nossos irmãos e uns sete amigos decidiram tomar café da manhã na lanchonete do hospital. Vou encontrá-los em minutos.
Sentei no sofá desse quarto assustador. Não sei o que fazer.
É a hora certa de rasgar o meu resultado positivo e descer para o café?
Ou devo contar a ela que sou estéril?
Ela disse não
Ela disse não todas as vezes que a convidei para sair. Odeio ser preterido.
Mandei mensagens no WhatsApp, uma frase divertida no Twitter e postei uma selfie no Instagram.
Corri os seis quarteirões. Ela fechava a porta da loja, na rua deserta. Atravessei a rua. Golpeei seu crânio com uma barra de ferro.
Voltei para casa, mergulhei na piscina. A campainha tocou. Meia hora depois éramos vinte. Uma hora depois minha foto tinha 284 curtidas. Minha frase divertida foi retuitada 75 vezes. Duas horas depois eu gargalhava de alegria - todo mundo sabia da festinha que estava rolando na minha casa - Inauguração da piscina.
No dia seguinte a notícia da morte violenta nada tinha a ver comigo. Era uma das muitas loucuras da cidade grande. Eu era o cara divertido que tem muitos amigos, faz selfie engraçadinha, diverte os seguidores no Twitter.
A gerente da padaria não topou ir ao cinema comigo. A padaria fica a nove quarteirões da minha casa. Vou planejar a inauguração do meu forno a lenha para o próximo mês.
Insônia
Tomava litros de café. Cultivava uma gastrite desgraçada e persistente. Era humilhado pelo chefe todos os dias.
Teve insônia quatro anos seguidos.
Numa segunda-feira chuvosa dormiu com facilidade. Na terça-feira estava animado. Sentia leveza nas pernas. Na quarta a energia era tanta que contagiava as pessoas ao redor. Na quinta bateu todos os recordes de eficiência da empresa. Na sexta era o assunto de todas as mesas - colaboradores, secretárias, sócios.
Antes do anoitecer completou a semana mágica. Afundou o mouse no olho esquerdo do chefe. Sorriu ouvindo os gritos e correria.
Sentou numa cadeira giratória. A insônia podia retornar.
*Alê Motta é arquiteta formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participou da antologia "14 novos autores brasileiros", organizada pela escritora Adriana Lisboa. "Interrompidos" (editora Reformatório) é seu livro de estreia.