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  • Sérgio Tavares

Novela enxadrista de Ariel Magnus chega ao Brasil


O fazer literário na representação de um tabuleiro de xadrez em que realidade e ficção variam estrategicamente de lugar, criando um jogo de possibilidades formais. Essa é a proposta de “Quem move as peças”, do argentino Ariel Magnus, que a editora Moinhos traz ao Brasil.

A novela mistura personagens históricos e inventados, numa torrente de memórias coletivas e registros particulares, resgatados de passagens da Segunda Guerra Mundial e das páginas do diário do avô paterno do próprio autor, o judeu Heinz Magnus, que migrara para a Argentina justamente durante o período bélico.

Combinados a passagens livres – a exemplo de trechos de “A novela de xadrez”, de Stefan Zweig -, esses recortes de escrita irão configurar um puzzle que se mune de questões filosóficas de fundo existencial e doses de humor para acessar um passado que é ancestralidade ao mesmo tempo que literatura.

Abaixo, La Pecera publica, com exclusividade, um trecho do livro. Trata-se de uma das passagens do diário de Heinz Magnus:

13 de junho de 1937

Onze da noite, a bordo do Vigo. Às minhas costas jaz um esforço monstruoso, e apesar de sentir no meu íntimo uma certa satisfação por ter conseguido, penso constantemente nos meus pais, e apenas desejo que tudo saia bem também com eles.

É bom quando, de antemão, não se espera muito. O Vigo. Desde fora, o barco não parece tão grande, mas é, sim, um barco digno de ser observado. Da ponte de carga, partimos com o reboque. Gente conhecida, em geral vizinhos, nos acena com carinho. Vieram para desejar sorte à criança, ao senhor, ao homem que nasceu ali e que conhecem desde a infância. Lamentam que ele tenha de partir, agitam as mãos entre a dor da ida e o desejo de que tudo vá bem do outro lado, e dessa maneira se alegram; acenam sem parar, ritmicamente, e aos poucos os acenos cessam, até que o pequeno barco desaparece.

A limpeza e arrumação no Vigo são surpreendentes. Mesas com toalhas brancas, camas com lençóis brancos. As moças são amáveis e solícitas. Desde o momento de entrar no barco se tem em geral uma sensação maravilhosamente acolhedora, como estar em casa. O número de visitantes é grande, então há muito barulho em volta da comida. Os passageiros podem comer, enquanto os visitantes... bem, também eles são servidos com um pedaço de pão. A despedida é fácil. Pai e mãe me seguirão logo; para ter sorte é preciso saber ganhá-la. Uma mulher com seu marido e os filhos parece deixar aqui muita felicidade, talvez sejam a espera desgastante e os trâmites difíceis, talvez a incerteza sobre o futuro e a responsabilidade que pesa sobre ela o que faz surgir essas lágrimas nos seus olhos e o que não permite que ela se tranquilize.

Quantos destinos devem se cruzar nesse centro de vida, quanta alegria e tristeza terão experimentado essas pessoas que agora se predispõem a passar aqui três ou quatro semanas. A partida em direção a América do Sul se transformou em realidade, amanhã cedo estaremos oceano adentro.

O clima melhorou muito, a chuva parou por um instante de cair sobre Hamburgo e o sol brilha sobre nós. Cai a tarde, e aos poucos surgem, em infinitos pontos, pequenas luzes, lançando de modo embaçado uma imagem de localização. Agora a escuridão é completa e nela se destaca o castelo de fadas: o porto de Hamburgo que se insinua taquigraficamente em meio às luzinhas. Coloridas, brancas, grandes e pequenas, reluzentes e fracas, todas são parte deste mundo, e bem poderia ser dito que se trata de um mundo em si.

Me encontro sozinho. Olho para o céu e de novo está ali o sentimento: se Deus está comigo, o que pode acontecer? E assim é como se torna curta a distância que temos de atravessar: permanecemos sobre esta terra e Deus é idêntico, e eu sigo sendo parecido, é lindo poder deitar as mãos no colo de Deus. E se ele me escolhesse para anunciar seu nome aos homens, o mesmo apenas para sentir seus preceitos... por que não o faria? Talvez seja possível realizar o que parece ser meu dever diante do Criador... falta somente uma ajuda.

***

O lançamento de “Quem move as peças” acontecerá no dia 03 de novembro, às 18h, no Festival do Livro de Porto Alegre (Auditório Barbosa Lessa). Mais informações pelo site www.editoramoinhos.com.br .

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