E SE EU FOSSE UM JOVEM AUTOR ARGENTINO?
por Bruno Ribeiro
Eu já fui um jovem autor argentino. Ou um falso jovem autor argentino. Talvez um jovem autor argentino adotado. Não sei. Definir a minha origem é um trabalho árduo. Sempre fui solto, originado de lugar nenhum, lugares vazios ou múltiplos, SP-PB, PE- MG, Brasil-Argentina, e por aí vai. Enfim, já fui (ou quase fui) um jovem autor argentino. Morei quatro anos em Buenos Aires, fiz mestrado de Escrita Criativa, convivi com os melhores e piores escritores de lá, e, neste período, acho que fui um jovem autor argentino.
Mas se eu fosse um verdadeiro jovem autor argentino e não um jovem autor argentino falsário, adotado, “do camelô”, pirata, fingido, incerto, inventado, ilusório, etc, como seria? Se o meu romance “Febre de Enxofre”, publicado pela editora Penalux, fosse publicado pela editora Pánico el Pánico, Mansalva, Mardulce, Beatriz Viterbo, La Bestia Equilátera, Eterna Cadencia, Caja Negra, Adriana Hidalgo, Blatt & Ríos, Notanpuän ou Interzona, como seria?
Vamos lá.
Vivo em Buenos Aires e estou em um mestrado de Escrita Criativa. Escrevo, escrevo, rabisco, escrevo, apago e desisto: “vou publicar essa boludice”. Mando para editoras. Faço contatos. Vendo minha alma. Publico. E aí? Qual a diferença, cara? É a mesma coisa que no Brasil?
No geral, o autor é um fodido em todo canto. Mas tem lugares em que o autor é um fodido com mais benesses.
Na Argentina existem mais benesses.
Pude ver que os lançamentos de livros em Buenos Aires são preenchidos por escritores. Nisso a coisa não muda se compararmos com o Brasil. Entretanto, os escritores de lá são leitores também. Não vão para o lançamento só para comprar o livro e tirar uma foto com o autor-amigo. A galera lê o livro do autor-amigo. Então, provavelmente eu teria autores-leitores-amigos caso lançasse o “Febre de Enxofre” (vamos chamá-la a partir de agora de “Fiebre de Azufre”) em Buenos Aires.
Mas será que o “Fiebre de Azufre” teria mais leitores mesmo, cara?
Difícil saber. Meu livro de contos “Arranhando Paredes” saiu por lá, traduzido pela Outsider, uma editora de livros digitais. “Arañando Parede”s vendeu pouco e quase não teve leitores. Acho que nem meus amigos leram. Talvez não leram porque sou brasileiro – ainda não havia me tornado um jovem autor argentino adotado – e devem ter pensado: “ele é brasileiro, lá os autores não leem os livros dos autores-amigos. Se a gente ler pode causar desfeita no rapaz”.
Olha, só estou brincando. Não sou um chato. Não sou daqueles escritores que dizem: “os jovens autores brasileiros independentes precisam ler mais jovens autores brasileiros independentes”.
O jovem autor brasileiro independente precisa ler o que ele bem quiser.
Não acredito que os problemas graves do nosso meio literário passem pelas mãos do pobre (literalmente pobre) jovem autor independente brasileiro que não lê outro jovem autor independente brasileiro. O buraco é mais embaixo. E talvez este jovem autor independente brasileiro só não queira ler o SEU livro de jovem autor independente brasileiro. Já parou pra pensar nisso?
Voltando.
O número de leitores (não escritores) é maior por lá também. Não acho que seja algo “nossa, na Argentina se lê MIL VEZES MAIS do que no Brasil”. Não é uma defesa do nosso país tropical, é que eu não acho que seja esse apocalipse todo de diferença, mas sim, na Argentina se lê mais e é possível encontrar mais leitores (não escritores).
Como um jovem autor argentino (de mentirinha) reitero que o ego se faz presente na cultura literária porteña também. Lançamentos regrados de prolixidades, pomposidade e babados linguísticos rolam por lá diariamente. A literatura de canapé é universal.
E sobre o recebimento de originais? Aceitariam bem o seu “Fiebre de Azufre”?
A aceitação é parecida com a do Brasil. Se tiver contato, facilita. Se não, dificulta.
A grande vantagem de ser um jovem autor argentino (pirata) é viver em um local onde a escritura é levada mais a sério do que no Brasil. Borges deve ter abençoado ad infinitum a literatura dessa terra, só pode. A arte literária ferve em um caldeirão enorme, os eventos são inúmeros, lançamentos incríveis toda semana, cursos e mais cursos, taller até dizer chega, bons escritores por metro quadrado, tudo pipoca com certa regularidade e qualidade, é foda. Há certa vida literária na Argentina que nunca vi no Brasil. Caminho pelas calles como um fantasma literato, ouvindo ecos ancestrais de uma literatura que ainda resiste. Ali, sentia-me aceito. Tornar-se um escritor na terra de Cortázar é uma maldição menor do que se tornar um escritor na terra de Lispector. Dói menos nas juntas e clavículas.
Assim como no Brasil, existe uma proliferação de editoras independentes na Argentina. A diferença está no modo como elas atuam e são recebidas. As pequenas são mais respeitadas no país das empanadas e alfajores.
Exemplo: nunca vi um autor argentino famosão amante das vanguardas e do modernismo escrever artigo em jornal reclamando do número de editoras independentes no país. No Brasil teve isso. Um autor brasileiro famosão amante das vanguardas e do modernismo – o cara é amante de Duchamp ainda por cima – escreveu artigo reclamando dessa inclusão toda na literatura. Um paradoxo com o próprio gosto dele. Vá entender.
Obs: eu amo Duchamp.
Com certeza a explosão das independentes é um dos fenômenos culturais mais celebrados da última década na Argentina, principalmente por causa dos novos autores que encontraram maneiras alternativas de publicação e circulação de suas obras.
Como um jovem autor argentino (falsário), digo com felicidade que as editoras independentes argentinas são mais valorizadas.
Uma grande diferença que vejo é o fato dos livros das independentes circularem nas livrarias porteñas. Posso estar equivocado sobre este aspecto, mas vi pouquíssimas editoras argentinas independentes venderem livros exclusivamente pela loja virtual dos seus sites. Sempre encontrei esses livros em livrarias, o que me faz crer que a relação livraria-editora na Argentina é bem mais saudável do que no Brasil. Outra coisa: autores conhecidos e celebrados no meio literário vivem publicando nas editoras independentes, situação pouco vista no Brasil.
César Aira, Luís Chitarroni, Alan Pauls, Hebe Uhart, Sergio Bizzio, Sergio Chejfec, María Negroni, dentre outros, publicam nas pequenas com certa frequência.
O verdadeiro traço de independência dessas editoras encontra-se na formação do catálogo, que não segue as manhas do mercado. São livres das concessões e ainda chegam às livrarias. A peleja é de igual para igual. Não tão igual assim, claro, mas o espaço do embate é o mesmo: a livraria. O ringue é aberto ao público e exposto para quem quiser ver.
Se eu fosse MESMO um autor argentino, o meu “Fiebre de Azufre” seria vendido nas livrarias, o que muito agradaria minha família, afinal, AUTOR DE VERDADE publica livro em livraria, oras, que porra é essa de só vender em site, rapaz.
Finalizando: a Argentina é como um oásis latino-americano das editoras independentes. Não só pelo número maior de leitores e livrarias, mas pela potência dos eventos e dos livros que saem sem parar e com qualidade. Na terra de Macedonio Fernández e Alejandra Pizarnik, o fogo nunca morre. E o fogo deve ser uma das principais armas das editoras independentes contra tudo aquilo que ela deve bater de frente para existir. No Brasil, até temos o fogo, mas precisamos de mais suporte e gasolina, coisas que na Argentina eles têm de sobra.
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Bruno Ribeiro nasceu em 1989, um mineiro radicado na Paraíba. Escritor, tradutor e roteirista. Já publicou em diversos jornais, revistas, blogues e antologias. Autor do livro de contos Arranhando Paredes (Bartlebee, 2014) traduzido para o espanhol pela editora argentina Outsider e dos romances Febre de Enxofre (Penalux, 2016) e Glitter (Amazon, 2017). Mestre em Escrita Criativa pela Universidad Nacional de Tres de Febrero, editor da Revista Sexus, foi um dos vencedores do concurso Brasil em Prosa, promovido pelo jornal O Globo e pela Amazon, também foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2016 e do Prêmio Kindle de Literatura. Edita o blogue: brunoribeiroblog.wordpress.com