A importância dos prêmios literários
por Rafael Gallo
Quão importantes são os prêmios literários para um autor? Frequentemente tenho me visto na posição de ter de responder essa questão, sempre com algum constrangimento. Temo cair no pedantismo, na modéstia dissimulada ou em qualquer forma de proselitismo. Os prêmios têm muitas facetas – algumas contraditórias entre si – e permitem leituras bastante díspares.
A primeira resposta à pergunta se os prêmios importam é outra pergunta: para quem? Há muitas vertentes de criação com a palavra que não têm inserção nas premiações, tampouco são penetradas sensivelmente por elas, como os cordéis, as formas orais de apresentação, as intersecções de linguagens, etc. Devido a meu limite restrito de caracteres, terei de focar apenas no segmento – quase tão restrito quanto – onde os prêmios têm relevância, aceitando-se, claro, que essa divisão não define o que importa ou deixa de importar do ponto de vista literário. Pode-se alegar, com um bocado de razão, que essa demarcação se trata muito mais de aspectos editoriais e mercadológicos do que artísticos.
Ainda assim, não é muito prudente desprezar por completo os canais de mediação e circulação, já que eles próprios são agentes no estabelecimento e legitimação dos artistas. Se podemos citar como exemplos da arte os nomes de Dostoiévski, Hilda Hilst ou Lima Barreto, é porque, de alguma forma, esses autores e seus trabalhos foram absorvidos, legitimados e difundidos por muitos desses canais de transmissão e valoração, até que chegassem a nós, leitores distantes no espaço e no tempo. E chegassem com uma “aura” de recomendáveis, respeitáveis, alterando em algum grau nossa receptividade e percepção de seu valor. Essas cadeias – as quais envolvem editoras, traduções, imprensa, crítica, ensino, etc. – são onde os efeitos dos prêmios talvez possam ser mais sentidos, já que eles são também parte formadora de seu tecido.
Um prêmio não é definitivo na consolidação de certo autor ou livro (basta o leitor dar uma olhada nas listas de vencedores das edições anteriores de uma premiação qualquer, para atestá-lo), mas origina uma “movimentação” em torno de seu nome, marcando-o mais na memória coletiva, enquanto aumenta seu “capital simbólico” simultaneamente. Destaque na imprensa, convites para eventos, propostas de editoras e recomendações de gente notável são alguns dos ganhos advindos das condecorações, em um sistema em que todas essas engrenagens se retroalimentam continuamente, lubrificadas pela “pré-disposição”, agora bastante favorável, à recepção do autor ou da autora com um prêmio nas mãos.
É um pouco perturbador que tudo isso possa depender tanto de uma premiação, considerando seu caráter restrito e subjetivo. Não preciso colocar como hipótese que diferentes jurados elegeriam vencedores distintos, porque as discrepâncias entre um prêmio e outro, no mesmo ano, já bastam como demonstração desse fato. Só para citar um exemplo, no ano passado, nenhum dos vencedores do Prêmio São Paulo estava entre os semifinalistas do Prêmio Oceanos. Ou seja, na eleição de um, são os 3 melhores livros do ano, na de outro, sequer figuram entre os 20 melhores. Sugiro também a leitura de Meus prêmios, do autor austríaco Thomas Bernhard, especialmente pelo episódio em que ele conta sobre quando fez parte de uma comissão de jurados e o resultado foi definido pela dinâmica entre as pessoas (quem fala mais alto, quem silencia, etc.) e, principalmente, pela proximidade da hora do almoço. O apetite pode pesar mais do que a leitura nesses momentos de resolver uma eleição.
Uma pergunta constante é sobre o impacto de um prêmio nas vendas do livro. Escritores não são muito dados a falar seus números (é compreensível não tê-los como motivo de orgulho), então vou abrir uma exceção, para falar do meu caso. Meu romance, Rebentar, depois de ter ganhado o Prêmio São Paulo, vendeu a quantia de – preparados? – 164 exemplares. Sim, contando impressos e eBooks. Seria difícil, com esse resultado, convencer um economista de que os prêmios importam para as vendas, mas lembrem-se de que nas atividades culturais há toda a cadeia já mencionada de legitimação e difusão. Um prêmio pode ser importante para toda a bibliografia passada e futura de um autor, considerando-se que é formador de sua trajetória, de sua “imagem” na imensa cadeia de recepção. O futuro, e suas oportunidades, podem ser bastante afetados pela construção dessa “reputação” do autor ao longo da vida. Mais uma vez, nada é definitivo, e o autor pode – deliberadamente ou não – contribuir, junto a outros fatores, para que um prêmio deixe de fazer grande diferença, mesmo em sua trajetória pessoal.
Para além dos aspectos externos, a produção do autor ou autora pode ser afetada nos aspectos individuais também. Alguns relatam uma estiagem da escrita após o prêmio, seja por ansiedade ou pelo acúmulo de compromissos e distrações, outros aumentam sua produção, aceitando a ideia da premiação como uma “confirmação” de seu talento (algo bastante discutível). Os efeitos podem variar bastante, não só por conta da personalidade de cada autor, mas também pela dimensão do prêmio ou do “salto” representado por ele, em comparação ao status anterior do escritor. Concursos que premiam originais inéditos, por exemplo, garantindo-lhes a chance de publicação, podem significar não só uma mudança na carreira, mas sua própria gênese. Outro parêntese aberto para falar de minha própria experiência: quando escrevi meu primeiro livro de contos, Réveillon e outros dias, não tinha o projeto de ser escritor; foi o Prêmio SESC que me proporcionou a publicação por uma editora de grande porte e, mais do que isso, o início de uma trajetória profissional e pessoal que redefiniu minha identidade, meu lugar no mundo. De um ponto de vista mais particular, não há melhor argumento do que esse quanto à importância que um prêmio pode ter para um autor.
Os prêmios, portanto, não definem por completo o caminho de um autor, mas as premiações são parte notável, sim, da cadeia e das questões “profissionais” e pessoais que o cercam. Não posso crer totalmente em seu valor de legitimação artística, quando alguns dos livros que acho mais importantes na literatura brasileira não foram premiados e outros, alguns dos maiores equívocos literários recentes, foram. Ainda assim, entre erros e acertos, os prêmios podem ser importantes para resgatar – ainda que muitas vezes deixem de fazê-lo – uma pequena parte do patrimônio cultural sendo construído na atualidade da literatura. Com tantos livros bons vindo a público, e uma cultura nacional sem capacidade de absorvê-los, os prêmios salvam alguns poucos do escoamento veloz.
Por fim, gostaria de dizer que meu grande problema com os prêmios, de certa forma, é justamente eles importarem tanto. Nós, escritores, leitores, editores e atuantes do meio literário como um todo, não deveríamos deixar escapar da memória e da apreciação merecidas tantas obras, somente por não terem ganhado, ou sido finalistas, nas premiações, quando são algumas das melhores coisas produzidas na literatura atualmente. Não deveríamos nos fiar tantos nas eleições de determinados jurados em determinados momentos. Afinal, talvez eles só quisessem sair logo para o almoço.
Rafael Gallo nasceu em São Paulo em 1981. É autor de Rebentar (Record, 2015), romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2016, e Réveillon e outros dias (Record, 2012), livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2011/2012. Tem ainda contos publicados em diversas revistas e antologias, como a Desassossego (Mombak, 2014) e a Machado de Assis Magazine (Biblioteca Nacional, 2012), que publicou tradução do conto Réveillon para o espanhol.