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Marketing no mercado editorial: da produção à autopromoção
 
André Timm

Há quem torça o nariz diante da postura de muitos autores contemporâneos que assumem para si o papel de autodivulgação de suas obras. Mas, afinal, essa é mesmo uma prática necessária? E se for, apresenta resultados? Não são perguntas fáceis de responder. Muito do que está relacionado às práticas do mercado editorial e da formação de leitores lida com questões bastante subjetivas, difíceis de serem mensuradas.

 

Além disso, é preciso levar em conta o tempo em que vivemos: a literatura disputa a atenção e o interesse do leitor com uma série de outros conteúdos de acesso extremamente facilitado que culminam numa espécie de apogeu do imediatismo. Para muitos, por exemplo, é preferível maratonar uma série na Netflix do que se lançar à leitura de um livro.

 

De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (em sua 4.ª edição, 2016), a leitura ficou em 10º lugar quando o assunto é o que gosta de fazer no tempo livre. Perdeu para assistir televisão (73%); ouvir música (60; usar a internet (47%); reunir-se com amigos ou família ou sair com amigos (45%); assistir vídeos ou filmes em casa (44%); usar WhatsApp (43%).

 

Notoriamente, a carência de leitores pouco tem a ver com a crise, ou com o preço dos livros ou com a falta de tempo. É uma questão de prioridades. Lê-se pouco porque prefere-se fazer outras coisas, o que denota um problema de ordem cultural.

 

Em um cenário de acesso irrestrito e facilitado a todo tipo de conteúdo e de uma miríade de distrações, tornar livros e autores interessantes aos olhos dos leitores (ou possíveis leitores) pode ser um ponto a favor nessa disputa por atenção. Em outos tempos, a literatura já ocupou melhores posições nesse ranking, mas é difícil acreditar, no atual contexto, que ela possa se recuperar por si só.

 

Diz-se que o hábito da leitura vem de família, do exemplo em casa. Acredito que haja alguma verdade aí. Mas se hoje se lê pouco, significa que as crianças de agora não têm em casa pais leitores. Ou seja, a curto prazo, não deve ser por aí que a situação mudará. Igualmente difícil é esperar que esse hábito venha da escola, com um sistema de ensino extremamente conteudista, em que professores, mesmos os mais bem intencionados, precisam operar milagres para vencer a rebentação dos livros didáticos, da carga horária brutal, dos trabalhos e provas a corrigir, da tripla jornada, dos alunos problemáticos, da crescente violência em sala de aula e assim por diante.

 

Resumindo até aqui: a literatura compete (e perde) em grau de interesse mesmo diante das coisas mais banais, como acessar o WhatsApp. Há uma porção delas que parecem muito mais interessante às pessoas do que ler, o que, por sua vez, leva à hipótese de que um dos passos necessários para tornar a literatura interessante outra vez seja ressaltar e fazer aparecer o que há de melhor nela. O marketing a autopromoção não vão resolver sozinhos esse problema, mas podem prestar uma contribuição interessante quando bem executados.

 

Tome o exemplo do Netflix, a plataforma de filmes e séries online, frequentemente elogiado por suas boas ações de marketing, quase sempre nas redes sociais. Se uma série de TV ou filme tem seu interesse despertado por essas abordagens, porque a mesma lógica não se aplicaria a um livro? Ainda que o Netflix leve a vantagem de ofertar um tipo conteúdo que é mais apelativo em termos de consumo, não estamos, afinal, tratando de narrativas nos dois casos?

 

Talvez os mais puristas considerem um absurdo se valer de técnicas de marketing para amplificar o interesse pela literatura, mas pode ser que essa postura seja um dos fatores, entre tantos, que tem feito com que a literatura se distancie das pessoas. Os tempos são outros: é preciso se valer das mesmas ferramentas que os “concorrentes“ para se obter algum êxito. Com isso, não estou afirmando que tv, internet e leitura, por exemplo, sejam práticas excludentes entre si. Naturalmente, elas podem coexistir. A questão, entretanto, é o tempo que se dedica a cada uma elas — eis aí a disputa e a disparidade existente hoje entre tais atividades.

 

Partindo da premissa de que marketing e autopromoção (logo abordarei a diferença entre as duas coisas) possa ajudar no desenvolvimento do interesse pela leitura, há outras questões em jogo.

 

Quando me refiro ao marketing, estou fazendo menção, mais precisamente, à atividade desenvolvida pelas editoras. Investe-se, por exemplo, num booktrailer, em espaços de divulgação em revistas, sites na internet, compra de espaços de destaque em livraria e etc. Todavia, muitas vezes é comum que as editoras invistam com mais ênfase na divulgação de obras que já sabem ter maiores chances de venda. Apostam no favorito para maximizar as chances de ganho. Não raro, as obras que se encaixam nessa premissa são de autores internacionais, que muitas vezes chegam por aqui com a chancela de best sellers.

 

Agora, duas hipóteses:

 

1)    Considere um autor nacional, ainda não muito conhecido, mas publicado por uma editora expressiva. Talvez ele ganhe um booktrailer, talvez a editora poste alguma coisa em suas redes sociais sobre o livro. Mas, as chances de que ele seja ofuscado, em termos de evidência, em comparação ao best seller são enormes. Enquanto o primeiro será só mais uma lombada entre tantas outras na prateleira da literatura nacional, o segundo está na cara do leitor, logo na entrada da livraria, destacado na primeira ilha com a qual o passante se deparará ao entrar. Considere essa disparidade de evidência para todos os outros meios de divulgação;

 

2)    Agora, considere um autor nacional publicado por uma editora pequena. Se na grande ele ainda tinha mínimas chances de obter da editora algum esforço de investimento em divulgação, nas pequenas, isso se torna ainda mais complicado. Não é que as pequenas não divulguem seus autores. Algumas o fazem e fazem bem. A questão é até onde se pode chegar com recursos escassos de divulgação, especialmente quando em comparação com a capacidade de investimento do maistream editorial. Lembre-se: investir na promoção de um autor/obra não se limita apenas à compra de espaços de divulgação; há toda uma máquina editorial trabalhando pra que esse autor apareça, enviando exemplares para veículos, encaixando o autor em matérias, entrevistas, articulando para que ele participe de eventos, mesas, feiras, etc. É uma briga de Davi contra Golias.

 

Dito isso, eis o ponto central deste artigo: mais do que nunca, está nas mãos do autor divulgar seu trabalho.

 

Há ainda outro ponto crítico a se considerar. Nos últimos anos, graças a ferramentas como publicação sob demanda, Wattpad e outras plataformas de publicação online, a autopublicação tornou-se um fenômeno. Tome os exemplos da KDP (Kindle Direct Publishing da Amazon) ou da Publique-se (a plataforma de autopublicação da Saraiva) que, no ar desde 2013, teve um salto no primeiro semestre de 2016. Em comparação a 2015, seu catálogo de obras digitais publicadas cresceu 74%. Pulou de 6,5 mil títulos publicados até o fim do primeiro semestre de 2015 para 11,3 mil livros publicados até o fim do primeiro semestre de 2016.

 

Então, além de competir por atenção com tudo que foi citado aqui, com o marketing pesado das grandes editoras nos favoritos, o autor indie ainda precisa levar em conta que fazer sua obra aparecer significa fazê-la se destacar em um verdadeiro mar de livros como nunca se viu antes na história do mercado editorial. Muitas destas obras, sem dúvidas, não valem o investimento de tempo dedicado a elas, mas o problema é que o leitor talvez só descubra isso depois de começar a lê-las, ou seja, de tê-las escolhido em detrimento de outras.

 

Assim, parece-me fundamental que o autor, seja o indie ou mesmo aquele publicado por editoras de maior expressão, precisa aprender a divulgar seu trabalho de maneira eficiente e criteriosa. Isso implica no desenvolvimento de habilidades e no aprendizado de ferramentas que o ajudem nesse objetivo, tais como: bom senso estético para trabalhar com estímulos visuais; o uso básico de ferramentas de editoração e tratamento de imagens; noções de como melhor identificar no discurso e na imagem o que pode ter força a ponto de despertar a curiosidade dos leitores; entender como funcionam as engrenagens do mercado editorial, a quem se deve recorrer e de que maneira; aprender conceitos de assessoria de imprensa, no intuito de saber como alcançar determinados canais; entender os fundamentos das redes sociais, que tipo de conteúdo tem mais aderência, o que ressaltar, como postar, para quem, em que horários, com que frequência; entender a vocação de cada canal e assim por diante.

 

O  autor de hoje, além de valente, precisa ser polivalente e tais necessidades acabam por roubar um tempo precioso que poderia ser dedicado à própria escrita. Todavia, parto sempre do pressuposto de que quem publica quer ser lido e, sendo assim, publicar um livro que ficará encalhado porque não desperta interesse algum não faz nenhum sentido. Portanto, é válido e salutar adotar procedimentos que ajudem a criar ou a ampliar o público leitor, uma condição igualmente bem-vinda para autores, leitores e editoras.

 

Em uma das edições (2014) do evento Encontros de Interrogação, Joca Reiners Terron fala acerca da autosuficiência com que autores são munidos devido à natureza de seu trabalho: "Um escritor arma a sua bomba e a desmonta, sozinho. Não precisa de mais nada". Talvez, nesses tempos em que todo o conteúdo está a nosso alcance, aprender a fazer nossa literatura sobressair-se seja mais uma das tarefas que precisamos realizar por conta ou, ao menos, contando com o mínimo suporte possível.  

 

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André Timm é gaúcho, de Porto Alegre, radicado em Santa Catarina. "Insônia" (Design Editora, 2011), seu livro de estreia, foi Menção Honrosa no Prêmio SESC de Literatura. "Modos inacabados de morrer" (2016), seu primeiro romance, foi o vencedor da Maratona Literária da editora Oito e Meio na categoria prosa. Mantém o site 2 mil toques, projeto autoral em que convida escritores a compartilharem suas rotinas e processos ligados à produção literária.

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