top of page

MOEMA VILELA: POESÍA DE BRASIL
Poemas inéditos (en portugués)

Moema Vilela é escritora e jornalista, doutora em Letras pela PUCRS. Autora de "Ter saudade era bom" (Dublinense, 2014), finalista do Açorianos de Literatura, de "Guernica" (Udumbara, 2017) e "Quis dizer" (Udumbara, 2017). Publicou contos e poesias em antologias e revistas literárias brasileiras. Graduada em Jornalismo (UFMS), mestre em Linguística e Semiótica (UFMS) e em Escrita Criativa (PUCRS), ministra cursos e oficinas de literatura e escrita criativa e faz serviços de revisão literária e pareceres críticos para escritores e para a Agência Cultural Lalô.

Um amigo está digitando uma mensagem

Antônia, em ânsia,

se antecipa em

partir. Antes

recusar o pouco

que a ruína da conformação.

Antes a fome, a imaginação,

do que esta oferta de carne morta.

Mas se enfiada até o caroço no desejo de ficar,

cortar relações é emboscada

– às raias do amadorismo.

Como se possível fosse

morrer ao mundo

sem depois,

se atirando no poço

do elevador.

Fica, Antônia,

que todo fim vem

– naturalmente.

Não é preciso

ser impaciente.

descontrole

gosto muito de cabelos

na cabeça das pessoas

como é difícil

viajar

nas últimas poltronas

e ver tantos cabelos

sem dono

dando sopa

tão próximos

do alcance da mão

e assim entendo tudo

meditação

camisa de força

Martin Scorsese

as criança

Caramelo

 

com os sapatos calçados

pela metade

Basquiat não entra

na lanchonete sem antes

bagunçar as promoções da tarde

no mural de calçada

ele recomenda fé e patinete

vende cãibras bem barato

faz as pessoas comerem bolas de cedo

em vez de caldo

e depois pede panquecas

para derramar na mesa o xarope

e com o cardápio nivelar a massa

onde escreverá com a colher

o rosto da futura namorada

a garçonete

conjurada do vir-a-ser

com os materiais à mão

xarope de panqueca

& olhos de revelação:

mesmo as pessoas

mais duras do que mesas

se rearranjam

– conhecem alguém, mudam

de casa, de profissão, perdem

a perna, ganham crianças

– se tornam outras

 

 

 

A outra mão

 

Martha Argerich tocou no Japão com trinta

e nove graus de febre, no Québec, após um acidente

de carro e também depois de extrair um dente.

 

Tocou depois de dormir no albergue da juventude

em Praga, porque esqueceram de buscá-la

no aeroporto e ela não tinha o endereço do teatro.

 

Com as mais terríveis dores nas costas em Roterdã,

e de minissaia no inverno na Alemanha,

quando a bagagem não chegou. Martha

 

Argerich, a maior canceladora de shows

da história, não tocou uma vez, muito nova,

porque cortou a mão. Isso foi antes

 

de ser chamada estranha, estrela, arrogante

– uma mulher difícil, que podia cancelar

um show por falta de inspiração.

 

Para essa pianista jovem, era melhor mentir

do que faltar com a verdade, era mais fácil prender

a respiração e com a mão esquerda atacar com a faca

 

a outra mão, a mão que tocava, mesmo quando

os soldados invadiam o teatro no sonho,

o nariz não parava de escorrer em Riga.

 

 

bottom of page